segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

O novo grito da Nação


Nação Zumbi

Disco: Fome de tudo


Ano: 2007


Deckdisc


12 faixas





É carnaval, é inferno, é fome, festa na mata. Ficção científica nordestina. Olinda e Recife são citadas. Multi-cor, ultra-som, olhos de espelho, cabeça de leão. De todo lado surge um som. Seja samba, rock, eletrônica, o infinito. A música mundi-regional, que brota do realismo surreal da Nação Zumbi. Em “Fome de tudo” temos o trabalho mais conciso da Nação desde os tempos de Chico Science. A “fome” se torna tema central para algo tão visceral e explosivo. Porém, temas reluzem como ouro por aqui. Há espaço para o intimismo, para o diálogo, discussões e questionamentos nas letras de Jorge du Peixe.

A Nação Zumbi veio armada e colorida, com sinestesias, guitarras espaciais e o maracatu atômico. Elevemos nossas almas para ouvir o poderio das mais refinadas distorções nordestinas. Um trabalho feroz que está quente por si. Remete-nos a imagens nordestinas, ao paraíso frustrado e a muitas figuras importadas de bem longe. Nem somente de ritmos nordestinos vive a banda, aliás, o regional não existe mais puro, dá lugar à nova fórmula. Esta foi obtida de tempos vividos, experiência que deu lugar à consciência e ao amadurecimento do trabalho.

A primeira faixa, “Bossa nostra”, que também é o primeiro single, tem poder das guitarras de Lucio Maia, por sinal um guitarrista sempre em ascensão, da batida e pegada forte na bateria e das letras cheias de figuras de linguagem, cada vez melhores, de Jorge du Peixe. “Cada cor tem o seu cheiro, cada hora lança sua dor”, na mente dos adeptos do Mangue Beat. Crítica, espontânea e rica, com um refrão corta caminhos e expressões pop com uma única frase: “Elevei minha alma pra passear”. Em “Infeste”, segunda música, temos um dos refrões mais pertinentes do disco. Com o peso das guitarras distorcidas, e tambores estourando num ritmo quante, canta du Peixe: “costas quentes/ dentes acesos/ olhos de espelho/ cabeça de leão/ lançando o perigo na ponta do enfeite/ estica o caminho quem manda no chão”. O perfil da terra, do nordestino e das condições de tempo são mostrados em pura poesia mágica. O diferencial da Nação está sempre ali do futuro ao passado. Em “Carnaval”, a descrição da folia de Olinda e Recife aparece como “multi-cor”, “ultra-som”. E Jorge brinca: “Olha o frevo aí, trava a perna”. Notas curtas e picadinhas na guitarra recheada de efeitos dão vida a musica. Aqui surge a partição de parte da Orquestra Popular de Recife. Trompetes modernos em estilo jazzístico e “Órgão National” são parte de participações especiais, mais do que eficientes no disco.


“Inferno”, que surge soturna, conta com a participação da cantora Céu. Numa definição especialíssima do próprio “inferno”, temos vocais sussurrados e a voz profetisa de Céu que aparecem dando toque essencial a uma das músicas mais bem produzidas e significativas do disco. As guitarras são contidas e explodem no clímax. A percussão é um detalhe que dá alma e a Nação soube utilizá-la nesta música. Daí segue uma música que quebra um pouco as influências do rock, “Nascedouro”. Samba, metais, violão e ritmos cubanos. Caminhos outros seguidos funcionam. E são misturas e arranjos modernos que fariam inveja ao Radiohead. “Onde tenho que ir” possui cítara, batida quase eletrônica e rock em suas entranhas. “Assustado”, uma pegada genial no baixo, percussão e guitarras wah-wah soando perfeitamente numa melodia tribal, próximo do dub, do reggae, e por final um refrão que tem descendências da guitarra de Hendrix, palmas e tambores. Toga Ogan e Jorge du Peixe fazem uma de suas melhores canções/letras, certamente, que lembram muito Chico Science.

Chegamos a “Fome de tudo”, faixa mais pesada do disco. Visceral, moderna, transcendental. Vozes modificadas, guitarras em peso máximo gritam eletronicamente, tambores e bateria de Pupillo em atuação condizente com tudo. O que a fome faz? O que já fez? “A fome de tudo universal com o tempo inteiro ao seu favor”. “A fome tem uma saúde de ferro” – exclama Jorge du Peixe. São temas difíceis de se encontrar por aí, mas dizem quase tudo sobre um sub-mundo tratado pela Nação Zumbi. “Toda surdez será castigada” aparece como uma cantiga melancólica. Aqui há pessimismo, em melodia triste, du Peixe e Junio Barreto cantam. A letra remete a tempos de guerra onde “já soltaram as bombas em alto volume/ mesmo assim nem fizeram sombra/ na zuada o silêncio gira/ vagueia e acaba matando a manhã.” Efeitos de lap-top ajudam a dar clima espacial, numa melodia trabalhada por tambores e bateria.

Mais do mesmo em “A culpa” e “Originais do sonho”, com a diferença de programações eletrônicas, rudimentos carregados de Pupillo na bateria, ficção científica e o experimentalismo nas letras. Fazem lembrar o tempo em que Chico cantava em que uma sobremesa lhe esperava em casa. E se todos dias nascem deuses, como diz na letra da última canção, “No olimpo”, a banda foi iluminada por um na realização desta. Uma ciranda embalada por esperança e uma alegria única. Dotada de harmonia, frenesi e arranjo memorável de cordas. Dançante e ao mesmo destruidora. Retrata os novos tempos com leveza e sabedoria. O som e espírito da Nação Zumbi renascem sempre que escutamos uma obra como essa.

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