sexta-feira, 29 de julho de 2011

Amores incompreendidos dos golfinhos



















Connna Mockasin

Álbum: Forever Dolphin Love
Ano: 2011
Phantasy Sound
15 faixas


Terra da Grande Nuvem Branca. Situada a cerca de 2.000 km a sudeste da Austrália. Antiga colônia inglesa. País formado por ilhas. Capital: Wellington. Nova Zelândia é seu nome. De lá vem a banda que comentaremos adiante. O grupo Connan and the Mockasins que tocava blues-pop, em 2004, sofreu uma mutação. Passou a se chamar Connan Mockasin. Mudou totalmente de estilo. Aproximou-se de um pop psicodélico. Tudo isso devido ao homem de frente desses neozelandeses.

O líder da banda é Connan Hosford, uma figura loura e performática. Mutável. Carrega consigo sua guitarra oval azul clara. Sua inquietude ao tocar nos remete ao espírito de um anti-herói. Está nos seus olhos irônicos, quase invisíveis. Lembrei-me de Brian Jones (ex-Rolling Stones), não só por seu visual. Explora as entranhas das notas de seu instrumento. No limite da afinação, constrói uma música sensível. Uma grande muralha oriental. Ao nos defrontarmos com o poder contido em suas melodias, suspenção no ar. O tempo se desmancha em notas, que, por instantes, aleatórias, fazem todo sentido.

Forever Dolphin Love é um disco duplo (o segundo, ao vivo) sobre viagens lunares desse personagem que se torna Connan (ver clipes). O som é uma volta aos anos 1960, por vezes. Psicodelismo, entre 1970. Jam session: baixo, bateria e a descoberta de aparelhos eletrônicos, digitais. O possível para encenar uma tragédia grega ou um conto moderno de amor eterno. Música ambiente apocalíptica.

Passa-se um pente fino em todos os sons de instrumentos que soam por aqui. Mais reverb no vocal, chorus. Desafio de expressar o timbre pseudoexistente: voz de criança recheada de efeitos. Sinfonia de guitarras dissonantes ao fundo. E o que se poderia concretizar em alguns acordes simples, torna-se um universo. A fantasia proveitosa está nos toques delicados, na ambientação majestosa. Brian Eno estaria feliz se conseguisse tudo isso em seu primeiro disco solo. OK, ele conseguiu até mais do que isso. Aliás, seria muito interessante ouvir a opinião de Eno sobre esse álbum.

Trata-se de um trabalho maduro, por parte do veterano Connan. Esse é seu quinto lançamento com sua banda (mesmo que com mudanças) desde o início de carreira. Em 2007, mudou-se para a Inglaterra, onde participou de alguns projetos (com Fatboy Slim, por exemplo) e trabalhou como músico de apoio de várias bandas. Late of the pier, Mystery Jets e Warpait são algumas delas. Foi sua recente parceria com o DJ Erol Alkan e sua gravadora, que resultou em Forever Dolphin Love.

No álbum estão guardadas pequenas fórmulas de um experiente músico. Fórmulas que em nenhuma hora soam prontas. Desenrolam-se a cada audição. Deve-se estar pronto para fechar os olhos e mergulhar na singularidade de Connan. A canção de 10 minutos que nomeia o disco, de certa forma, o resume. Minimalismo constante e fugas brilhantes de sonoridade.






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terça-feira, 11 de maio de 2010

Não se preocupe com o MGMT



MGMT

Álbum: Congratulations

Ano: 2010

Columbia Records

9 Faixas



O problema do segundo disco de uma banda é sempre o mesmo. Vem logo a pergunta: “está melhor que o primeiro?”. Difícil falar disso quando se analisa um disco somente comparando-o ao trabalho anterior da banda. É um erro e sempre aparecem decepções, pois tudo que é sólido desmancha no ar. Prefiro ver como uma obra única, mesmo que se possa fazer pontes com o disco anterior. Mas vamos então à resenha do segundo álbum do MGMT: “Congratulations”.

“Inspirado na surf music” – declaração há tempos vinda do vocalista Andrew VanWyngarden – o segundo disco da banda soa mais introspectivo e menos “psicodélico”. E isso talvez tenha desagradado um pouco a crítica. O MGMT que lançava em todas músicas passadas as tendências quis apenas soar como expressiva banda de rock, sem perder a identidade.

A melhor canção do álbum, também single, “Flash Delirium”, é uma ópera do surf music contemporânea. Porém, “Congratulations” soa como um disco de músicas medianas, já que o que se buscou não é o forte da banda. Definir o que o MGMT faz de melhor, sem dúvidas é criar texturas juntamente com aquela sensação de paz e harmonia que embalava as composições dos anos 60. A banda possui também claras influências dos anos 80, mas não as explora tão bem, quando só repete acordes de teclado comuns à década. É chato ouvir uma coisa que soa como Libertines piorado ou uma tentativa de ser Pink Floyd.

Mas é de se admirar a coragem da banda em apostar num caminho diferente e em resgatar a surf music, como na composição que inicia o disco “It’s working”. A música “Brian Eno”, em homenagem ao produtor e músico, soa estranha por ser MGMT e ao mesmo tempo divertida. A dramática “Someone’s Missing” e a singela “Congratulations” são o lado mais intimista e positivo para quem admira a voz ecoada e violões de Andrew.

“Siberian Breaks” é uma faixa de 12 minutos que explora elementos oitentistas. “Lady Dada’s Nightmare” é a referência ao Pink Floyd de que falo. Enfim, já se percebe a variedade deste segundo álbum da banda. Uma mistura que pode ser indigesta, mas funcionar como experiências no grupo, que odeia carregar o peso do elogiado primeiro disco, “Oracular Spectacular” (2007), nas costas, com razão. Deixe-os trabalhar. Gostaria de avisar: críticos, não se preocupem com o MGMT.

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Pequeno, Médio e Grande Cidadão



Fortaleza, 18 de abril de 2010

Quinze minutos antes de começar o show do Pequeno Cidadão de encerramento da IX Bienal Internacional do Livro, esperava na fila, pouco acreditando que ainda conseguiria ver o show. Era uma fila para aqueles que não possuiam ingresso. Para aqueles que não trocaram o ingresso por livros, mas que esperam por uma vaga a ser aberta, por sobra de lugares. A primeira coisa que sobe à cabeça é desorganização do evento.

Os ingressos haviam sido distribuídos antecipadamente, sem aviso prévio. Quando humildemente fui perguntar qual a fila em que deveria me encaixar e o que estava acontecendo naquela fila dupla, com ignorância, certo cidadão que recebia os tickets respondeu-me: “Tem ingresso? Não? Então vá para lá”. Sem mais delonga, foi tratar de receber outros com ingresso. Os nervos subiram à flor da pele, mas esperar sem nervosismo era o que me restava. Não só a mim, mas aqueles da fila “dos sem ingresso” que também se sentiram desrespeitados. Mas nada que tenha nos impedido de ver o show, mesmo que num lugar recuado.

O espaçoso auditório principal do Centro de Convenções estava cheio. Pais, filhos, adolescentes, casais, todos no mesmo espaço, esperando a apresentação. Muitos ali fãs de Arnaldo Antunes, Titãs, Ira!, fãs do rock nacional, outros esperando por musicas infantis. Logo subiram ao palco Arnaldo, Edgar Scandurra, Antonio Pinto, Taciana Barros e três dos filhos dos integrantes do grupo: Estela, Luzia e Edgar.

“Aqui tem pequenos cidadãos?” – gritava Arnaldo. “Aqui tem médio cidadão? Aqui tem grande cidadão?” – continuava, enquanto o público os ovacionava. Quando as três guitarras no palco, uma de Scandurra, outra de seu filho e outra de Taciana, iniciaram os primeiros acordes da música “Pequeno Cidadão”, acompanhadas da voz grave de Arnaldo Antunes, tudo pareceu se transformar. Em cores, sons, vozes de crianças, vídeo e interação o espetáculo se moveu.


Tratando de temas infantis como a hora de dormir, o som dos animais e as brincadeiras infantis que criam universos ilimitados, os músicos e acompanhantes conseguiram, talvez, o objetivo principal da noite: encontrar dentro de si o pouco que existe de criança, de moleque. Para isso, a noite se transformou numa brincadeira coletiva, onde atores circenses faziam malabarismo, onde se ouvia solos de guitarra e a música das borboletas.

Numa maneira não só de educar, mas viver e experimentar as coisas é que se concentra, a essência do projeto Pequeno Cidadão. As músicas são intimistas a ponto de que é possível perceber o carinho e dedicação na composição destas. Com isso, só temos a ganhar com as canções que trazem em si a alma do envolvimento entre pais e filhos.


O extraordinário que nos vem em forma de poesia, de música, é de todos nós, pequenos ou grandes. As sensações vêm da relação que há nessa união entre criança e adulto, de uma nova maneira de viver, seja fantasiando ou não.

Quem esperava rock, ganhou, pois Edgar Scandurra mostrou porque nasceu para ser guitarrista e rockeiro, com seus solos ágeis e belos. Quem esperava músicas “infantis”, teve uma apresentação da melhor qualidade. Provando, mais uma vez, que música para criança não é necessariamente música da Xuxa, que ainda existe mentes criativas, para fazer uma música sincera.


Fotos:

Valéria Mendonça e Ding Musa

sábado, 20 de março de 2010

Micachu & the Shapes - De volta ao navio abandonado


Micachu

Álbum: Jewellery

Ano:2009

Rough Trade Records & Accidental Records

13 Faixas






De letras fortes, melodias incomuns, de sons eletrônicos e instrumentos modificados, Micachu & The Shapes estão armados. A banda mais pop-underground londrina dos últimos tempos, formada pela jovem compositora Mica Levi, 22, lança seu álbum de estréia intitulado “Jewellery”. São 14 músicas que desafiam o punk e o “indie” contemporâneo, tanto pelas letras viscerais, como pelas composições desconexas e embriagadas.

A desconstrução é contínua no disco. Basta ouvir as três primeiras reveladoras músicas. A forma de compor de Mica é martelada, metrificada descontinuamente. O som cru e rasgado das cordas, inclusive de sua guitarra modificada, que tem o nome de “Chu”, se alia a sons excêntricos de teclados e efeitos eletrônicos. Apesar de definirem como “pop”, poucas são as músicas que encaixam em estilos pré-definidos. De um pop-paranóico, como em “Golden Phone”, do psicodelismo em “Floor”, e da eletrônica-shoegaze “Calculator”, nasce a singularidade de Micachu. A voz delicada de Mica, seja cantada ou falada, desperta-nos para um mundo desconhecido.

A experimentação, que abrange desde a utilização de sons raros a algo parecido com a “música aleatória” de John Cage, carrega a força da banda. Aliado a isto, temos um fundo real e raramente pop. Influências que poderíamos optar? Talvez Björk. E mais milhões de bandas introspectivas inglesas que surgiram dos anos 1990 até agora, que pulsam por uma música nova.

Por fim, “Jewellery” é um álbum de sensações, que vai do estranhamento à boa dose de experimentações estéticas positivas, para quem estiver preparado. Por exemplo, em “Sweetheart”, temos uma bomba de palavras que percorrem angústias e mil sentidos em 52 segundos. Um outro lado é mostrado na embriagada, sombria e minimalista “Guts”.

sábado, 19 de julho de 2008

Outros ares do Weezer


Weezer

Disco: Red Album

Ano: 2008

Geffen

11 faixas









Vermelho. Esta é a cor escolhida pelo Weezer para “nomear” seu sexto disco. Cor de sangue, da paixão, enfim, de temas sempre abordados nas letras da banda californiana. O álbum produzido por Rick Rubin e Jacknife Lee surge no mínimo como um desafio para a banda de “superar” o anterior, mediano, “Make Believe” (2005). Uma das alternativas para isso foram as músicas antigas, lado “B”, demos que Rivers Cuomo, vocalista e guitarrista, havia gravado no período de 1992 até 2007, inclusive, lançadas num disco pela Geffen: “Alone: the home recordings of Rivers Cuomo”.

As fórmulas para um bom “single”, para o powerpop do Weezer, funcionam na maioria das vezes. Especialistas em criar refrões grundentos e músicas colegiais, o Weezer possui força tanto para o lado do pop, como o do rock, a lembrar os seus discos: Green Album (2001) ou Maladroit (2002). Ao abrir o disco com “Troublemaker” há a certeza de que ouvimos o velho Weezer, com um espírito um tanto mais teen, voltado para o pop. O primeiro single, “Pork and Beans”, o grupo mais maduro, com melodias que crescem, guitarras sempre impecáveis e toque de piano. Viu como a fórmula deles funciona? Algumas músicas fazem parte de demos antigas, colocadas em novas roupagens, ouça “Dreamin’” e logo compreenda o que é uma música antiga num álbum novo, um pouco de quebra de clima, mas não deixa de ser aquela canção melosa e saudosista que Cuomo talha com carinho.

O Red Album apresenta uma maior interação dos outros integrantes da banda. O baixista Scott Shriner canta “Cold Dark World”, uma canção forte em seu refrão, na companhia da voz de Cuomo, numa instrumentação perfeita; em “Thought I Knew”, é a vez do guitarrista Brian Bell assumir os vocais, uma melodia simples e batida, levada pelo violão, que não apresenta novidade; por fim, o baterista Patrick Wilson canta “Automatic”, um rock meio preso nas suas letras que não estão em sintonia com a melodia?! Há de se comentar que todos são afinados, cantam legal, porém, quando o disco está perto do fim, temos “The angel and the One”, em que os sentimentos de Rivers são colocados para fora numa canção grandiosa e aí surge todo o brilho de sua voz, que dispara na frente dos outros. Aliás, uma música que dispara na frente do álbum, como os próprios integrantes da banda afirmam: “um dia sentei com meu violão e comecei a tocar esta música repetidamente. Meus dedos cortaram tanto, mas eu só continuava a tocá-la” – afirma Patrick Wilson.

Há de se falar também na imprevisível “The Greatest Man That Ever Lived (Variations On A Shaker Hymn)”. Rap (explorado igualmente na animada “Everybody Get Dangerous”) misturado ao powerpop e Queen, nas influenciáveis óperas. Audacioso, o Weezer ainda traz covers de The Band, como faixas bônus. Na versão brasileira, a música “The weight” aparece numa versão um pouco mais rápida, mas bastante fiel à versão original, ao mesmo tempo parece uma canção do Weezer, pelas guitarras e backing vocals. Boas lembranças, bom resgate.

terça-feira, 17 de junho de 2008

Golpes de Atari


Crystal Castles

Disco: Crystal Castles

Ano: 2008

Lies/ Last Gang

16 Faixas


Dentre as várias cenas e tendências da música eletrônica, encontramos um tipo peculiar, que vem sendo cada vez mais explorado ultimamente, em clubes especializados, geralmente, metropolitanos, seja para dançar, ou escutar ali quietinho. O eletro house, o punk e o rock se encontram novamente. Instrumentos elétricos unem-se aos eletrônicos, formando o som das novas gerações. É o próprio som da cidade, urbano: desesperador, egocêntrico, minimalista. Uma fuga propriamente dita, no caso de Crystal Castles, duo de Toronto. A vocalista, Alice Glass, esconde sua voz por trás de efeitos, gritos e sussurros, enquanto as batidas eletrônicas de Ethan Kath dão o panorama métrico de cada sentimento ali contido.

Imagine uma geração criada em torno de video games, aparelhagem eletrônica, de uma vida urbana acentuada, embebedadas pela música eletrônica alemã e pelo tédio. Tudo começou com uma simples brincadeira de gravar músicas no lap top e coloca-las no My Space. Num teste de microfone, fez-se o primeiro single “Alice Pratice”, destruidor em gritos de Alice Glass, poderosa. O que era para ser teste resultou num quase Sonic Youth eletrônico. Com uma forte influência oitentista, o Crystal Clastles lança seu primeiro disco, homônimo ao nome do grupo. O duo, formado em 2004, declara-se fã de algumas bandas contemporâneas, como o Klaxons e Bloc Party, ao lançar remixes destas duas. Mas não se vê uma influência direta, em grande parte do disco.

Música eletrônica é a primeira definição a ser colocada aqui. Neste quesito, temos grande exploração de sintetizadores e vozes modificadas, além, claro das batidas ambientes. Por outro lado, Alice declara em tom punk: “queremos que as pessoas sintam náuseas”. E se é isso que querem, conseguem, muitas vezes. Vozes são vomitadas, enquanto temos vontade de simplesmente dançar, deixar levar-se pela emoção dos sintetizadores minimalistas. Uma distorção sempre presente, um sentimento dark aproximando-se do The Knife, em “Siilent Shout”. Tudo interligado.

Composições como “Crimewave”, com colaboração de Health, “Vanished”, ou “Untrust us”, definem o que há de melhor dessa mistura. O disco está forjado dos sentimentos mais sujos aos mais surreais. Altamente denso. Mesmo nas melodias pop, um insegurança e um mistério surgem. São as vozes modificadas num ar soturno, é o eletrônico entrando em decomposição. É como Primal Scream, em XTRMNTR, chegando à insanidade, mais eletrônico, entretanto.

quarta-feira, 28 de maio de 2008

O jovem artista




Fortaleza, 24 de maio de 2008

Quem será Vitor Araújo? Está é a pergunta que me fizera outrora, antes de seu show. Apesar de assistir aos seus vídeos, ouvir suas belas versões para piano de músicas como “Asa Branca” e “Paranoid Android”, gostaria de conhecê-lo mais a fundo. Seus pensamentos, suas propostas, sua performance e seu carisma no palco. Estava confiante numa boa apresentação, mas tais perguntas ainda me sondavam.

Antecipadamente, uma apreciação ao Teatro José de Alencar de Fortaleza: grandioso, charmoso e agradável, do mesmo jeito que havia visto tempos atrás. Ali perto um painel no qual o menino de 18 anos pisava em seu piano. Era Vitor e aquilo foi necessário para me deixar mais curioso. Como assim pisar num piano? Lá estava ele em pé, com seus tênis all star na foto. E fiquei pensando em toda sua formação clássica ao instrumento e nessa quebra, esse choque que me foi apresentado em forma de uma atitude nada comum para um concertista. O que os outros ali pensavam? O que se passava na cabeça daqueles senhores e senhoras ao ver determinada imagem? Bem, a surpresa viria...

Dei uma volta por fora do Teatro. De repente, reparo num rapaz que me olhou fixamente, mas que tinha passos apressados. Viro-me e penso duas vezes. Assustado, concluo: aquele era Vitor Araújo! Gritei seu nome, ele olhou, mas nada que o parasse. Arrependi-me de não segui-lo. Uma vontade enorme de conversar me atingiu. Mas, bem, “ele estava indo para um momento de concentração”, pensei. Agora era tempo de escolher um lugar e esperar por sua música.

Sentei-me na diagonal, no andar de cima, de forma que eu veria Vitor quase de perfil e parte de suas mãos nas teclas. No palco, um piano de calda e uma luz branca em forma de círculo. O Teatro, com capacidade para 800 pessoas, encontrava-se levemente cheio. Após recomendações e um pequeno discurso do projeto Vida, subia ao palco o astro da noite, com sua humilde camiseta azul marinho e calça jeans. Entrou e tocou as primeiras notas em pé, bateu no piano e dedilhou as cordas, com sua audácia efervescente. Logo, uma versão de “Asa Branca” surgia e virava filme para quem o assistia. Vitor “brincava” ao piano. Era cômico, por vezes, delicado e, por fim, verdadeiro nos seus tons maiores e menores. Lembrava-me o nordeste mesmo seco ou chuvoso, as crianças, a natureza. E o menino estava ali executando uma “Asa Branca” só dele, incomparável. Com um ótimo começo assim, ainda iríamos longe. Todos boquiabertos enquanto a outra canção era de Yann Tiersen, que compôs a trilha do filme “O fabuloso destino de Amélie Poulain”. Depois veio Chico Buarque em seu repertório de bom-gosto. Sua habilidade ao piano era encantadora, assim como seus arranjos. A partir daí, o pianista começava a se soltar mais em suas falas e ao instrumento. As lindas composições de Heitor Villa-Lobos cabem brilhantemente no repertório. Enquanto Vitor falava em sentimentos, de sentir a música e esquecer dos problemas cotidianos, partíamos para o surreal.

O vibrante som do piano dava arrepios. Em uma de suas composições Vitor pediu silêncio para que a música chegasse até nós, como um todo, e uma pouco de nossa ajuda para um breve vocal. Veio o silêncio total e as notas soavam leves. Nesse momento era como se fossemos tele transportados para um lugar dos deuses. Apenas duas notas saiam do coro/público, preenchendo o local, criando o momento mais bonito da apresentação. Vitor agradecia-nos. Entramos em comunhão naquele momento. E o menino vindo de Recife podia muito mais. Encerrava o espetáculo com uma belíssima interpretação de “Trenzinho Caipira”, misturado ao jazz e canções para crianças. Tocava de pé, batucava ao piano, fazia graça. O “bis” veio marcado por “Paranoid Android”, dos ingleses do Radiohead, a pedidos da platéia. E, realmente, foi um final excelente, com direito a um passeio por todas as fases/períodos da música erudita, improvisadas ao jazz e rock. Vitor, sempre humilde e feliz, se despedia. Eu, já emocionado, não acreditei no que tinha presenciado naquele momento. Quis correr para falar com Vitor. Mas não precisava mais, poderia ser outra hora. Eu já o conhecia.