quarta-feira, 28 de maio de 2008

O jovem artista




Fortaleza, 24 de maio de 2008

Quem será Vitor Araújo? Está é a pergunta que me fizera outrora, antes de seu show. Apesar de assistir aos seus vídeos, ouvir suas belas versões para piano de músicas como “Asa Branca” e “Paranoid Android”, gostaria de conhecê-lo mais a fundo. Seus pensamentos, suas propostas, sua performance e seu carisma no palco. Estava confiante numa boa apresentação, mas tais perguntas ainda me sondavam.

Antecipadamente, uma apreciação ao Teatro José de Alencar de Fortaleza: grandioso, charmoso e agradável, do mesmo jeito que havia visto tempos atrás. Ali perto um painel no qual o menino de 18 anos pisava em seu piano. Era Vitor e aquilo foi necessário para me deixar mais curioso. Como assim pisar num piano? Lá estava ele em pé, com seus tênis all star na foto. E fiquei pensando em toda sua formação clássica ao instrumento e nessa quebra, esse choque que me foi apresentado em forma de uma atitude nada comum para um concertista. O que os outros ali pensavam? O que se passava na cabeça daqueles senhores e senhoras ao ver determinada imagem? Bem, a surpresa viria...

Dei uma volta por fora do Teatro. De repente, reparo num rapaz que me olhou fixamente, mas que tinha passos apressados. Viro-me e penso duas vezes. Assustado, concluo: aquele era Vitor Araújo! Gritei seu nome, ele olhou, mas nada que o parasse. Arrependi-me de não segui-lo. Uma vontade enorme de conversar me atingiu. Mas, bem, “ele estava indo para um momento de concentração”, pensei. Agora era tempo de escolher um lugar e esperar por sua música.

Sentei-me na diagonal, no andar de cima, de forma que eu veria Vitor quase de perfil e parte de suas mãos nas teclas. No palco, um piano de calda e uma luz branca em forma de círculo. O Teatro, com capacidade para 800 pessoas, encontrava-se levemente cheio. Após recomendações e um pequeno discurso do projeto Vida, subia ao palco o astro da noite, com sua humilde camiseta azul marinho e calça jeans. Entrou e tocou as primeiras notas em pé, bateu no piano e dedilhou as cordas, com sua audácia efervescente. Logo, uma versão de “Asa Branca” surgia e virava filme para quem o assistia. Vitor “brincava” ao piano. Era cômico, por vezes, delicado e, por fim, verdadeiro nos seus tons maiores e menores. Lembrava-me o nordeste mesmo seco ou chuvoso, as crianças, a natureza. E o menino estava ali executando uma “Asa Branca” só dele, incomparável. Com um ótimo começo assim, ainda iríamos longe. Todos boquiabertos enquanto a outra canção era de Yann Tiersen, que compôs a trilha do filme “O fabuloso destino de Amélie Poulain”. Depois veio Chico Buarque em seu repertório de bom-gosto. Sua habilidade ao piano era encantadora, assim como seus arranjos. A partir daí, o pianista começava a se soltar mais em suas falas e ao instrumento. As lindas composições de Heitor Villa-Lobos cabem brilhantemente no repertório. Enquanto Vitor falava em sentimentos, de sentir a música e esquecer dos problemas cotidianos, partíamos para o surreal.

O vibrante som do piano dava arrepios. Em uma de suas composições Vitor pediu silêncio para que a música chegasse até nós, como um todo, e uma pouco de nossa ajuda para um breve vocal. Veio o silêncio total e as notas soavam leves. Nesse momento era como se fossemos tele transportados para um lugar dos deuses. Apenas duas notas saiam do coro/público, preenchendo o local, criando o momento mais bonito da apresentação. Vitor agradecia-nos. Entramos em comunhão naquele momento. E o menino vindo de Recife podia muito mais. Encerrava o espetáculo com uma belíssima interpretação de “Trenzinho Caipira”, misturado ao jazz e canções para crianças. Tocava de pé, batucava ao piano, fazia graça. O “bis” veio marcado por “Paranoid Android”, dos ingleses do Radiohead, a pedidos da platéia. E, realmente, foi um final excelente, com direito a um passeio por todas as fases/períodos da música erudita, improvisadas ao jazz e rock. Vitor, sempre humilde e feliz, se despedia. Eu, já emocionado, não acreditei no que tinha presenciado naquele momento. Quis correr para falar com Vitor. Mas não precisava mais, poderia ser outra hora. Eu já o conhecia.

sexta-feira, 16 de maio de 2008

Love is in the Air



Hercules & Love Affair

Disco: Hercules & Love Affair

Ano: 2008

DFA Records

10 Faixas



Que New York é um pólo de grandes nomes da música contemporânea, ninguém pode negar. De lá surgiu mais uma grande surpresa de 2008: o projeto Hercules & Love Affair, comando pelo DJ Andrew Butler. No disco homônimo ao projeto, há o eletrônico dançante, seja Disco, ou House, com participações especiais de Antony Hegarty (do Antony and the Johnsons), Nomi e Kim Ann Foxman.

O dance americano nunca esteve tão perto de um experimentalismo como este. Andrew Butler, que desde os 15 tocava em festinhas e já compunha algumas músicas, foi responsável por criar o H&LA. Ao ponto de tremer as estruturas da dance music, Butler buscou em Kraftwerk, no pop 70’s e 80’s e nos vocais mais desafiadores de todos a fórmula para seu disco. Para quem nunca imaginou Antony cantando outro estilo, é tempo de ouvir canções como “Blind” (primeiro single), “Raise me up”, ou “Time will”, além dos backing vocals emocionantes e criativos. Mas não é só Antony que faz bonito no álbum, Kim Ann Foxman dá vida a musica “Athene”, numa batida dançante a lembrar Daft Punk, sua voz enigmática ecoa.



Melodias são presenteadas com violões, teclados e batidas eletrônicas, enquanto a delicadeza de cada vocalista transporta-se a nossa percepção. Dentre canções melódicas como “Time will” ou “Iris”, fica a lembrança da dupla francesa, Air. As mais dançantes compõem o álbum em sua maioria e ganham arranjos vanguardistas como em “Hercules’ Theme” ou “Raise me up”. O single Blind é a pérola do disco, tanto em composição ou interpretação de Antony, que demonstra mais uma vez seu potencial como um cantor para ritmos variados. Nesta música, tudo se encaixa perfeitamente, seja na letra combinada a voz de Hegarty, ou nas batida que alcança proporções exatas quanto ao dance.

Outras experimentações são extremamente interessantes, quando teclados e trompetes atacam de surpresa em melodias “clean”, a exemplo de “This is my Love”. “You Belong” e “True False, Fake Real” roubam um pouco de experiências do pop eletrônico. Por fim, resta-nos “Easy”, a mais intimista do disco, a contar histórias por sussurros, enigmática e reveladora, Björk iria gostar, não?! Butler, certamente acertou em escolher seus parceiros. Porém, olhando pelo viés contrário, incorpora algo simplista em seu eletrônico. As batidas comuns às vezes se repetem por toda música. Mas o que está contido aqui e se revela é um som ambiente, mesmo que dançante. Bom ou ruim, cria-se um estilo, uma maneira própria de se compor.



*MySpace: http://www.myspace.com/herculesandloveaffair