quarta-feira, 26 de dezembro de 2007

Fim de Ano

Bom, primeiramente desejar um Feliz Natal e um ótimo 2008 para todos.

Devo dizer que o ano não foi ruim, espero que tenham gostado do conteúdo daqui.
Viajo amanhã e volto dia 2 de janeiro. Admito que não preparei lista exclusiva do "Ciclo do Contratempo" de melhores do ano, mas escrevi algumas coisas para o Boris vs Laika ( http://borisvslaika.clickbest.net/ ) .

Temos lá lista de vídeos, singles, revelações e discos(ainda a ser postada) de 2007.

Um abraço,

Lucas Benedecti

segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

O novo grito da Nação


Nação Zumbi

Disco: Fome de tudo


Ano: 2007


Deckdisc


12 faixas





É carnaval, é inferno, é fome, festa na mata. Ficção científica nordestina. Olinda e Recife são citadas. Multi-cor, ultra-som, olhos de espelho, cabeça de leão. De todo lado surge um som. Seja samba, rock, eletrônica, o infinito. A música mundi-regional, que brota do realismo surreal da Nação Zumbi. Em “Fome de tudo” temos o trabalho mais conciso da Nação desde os tempos de Chico Science. A “fome” se torna tema central para algo tão visceral e explosivo. Porém, temas reluzem como ouro por aqui. Há espaço para o intimismo, para o diálogo, discussões e questionamentos nas letras de Jorge du Peixe.

A Nação Zumbi veio armada e colorida, com sinestesias, guitarras espaciais e o maracatu atômico. Elevemos nossas almas para ouvir o poderio das mais refinadas distorções nordestinas. Um trabalho feroz que está quente por si. Remete-nos a imagens nordestinas, ao paraíso frustrado e a muitas figuras importadas de bem longe. Nem somente de ritmos nordestinos vive a banda, aliás, o regional não existe mais puro, dá lugar à nova fórmula. Esta foi obtida de tempos vividos, experiência que deu lugar à consciência e ao amadurecimento do trabalho.

A primeira faixa, “Bossa nostra”, que também é o primeiro single, tem poder das guitarras de Lucio Maia, por sinal um guitarrista sempre em ascensão, da batida e pegada forte na bateria e das letras cheias de figuras de linguagem, cada vez melhores, de Jorge du Peixe. “Cada cor tem o seu cheiro, cada hora lança sua dor”, na mente dos adeptos do Mangue Beat. Crítica, espontânea e rica, com um refrão corta caminhos e expressões pop com uma única frase: “Elevei minha alma pra passear”. Em “Infeste”, segunda música, temos um dos refrões mais pertinentes do disco. Com o peso das guitarras distorcidas, e tambores estourando num ritmo quante, canta du Peixe: “costas quentes/ dentes acesos/ olhos de espelho/ cabeça de leão/ lançando o perigo na ponta do enfeite/ estica o caminho quem manda no chão”. O perfil da terra, do nordestino e das condições de tempo são mostrados em pura poesia mágica. O diferencial da Nação está sempre ali do futuro ao passado. Em “Carnaval”, a descrição da folia de Olinda e Recife aparece como “multi-cor”, “ultra-som”. E Jorge brinca: “Olha o frevo aí, trava a perna”. Notas curtas e picadinhas na guitarra recheada de efeitos dão vida a musica. Aqui surge a partição de parte da Orquestra Popular de Recife. Trompetes modernos em estilo jazzístico e “Órgão National” são parte de participações especiais, mais do que eficientes no disco.


“Inferno”, que surge soturna, conta com a participação da cantora Céu. Numa definição especialíssima do próprio “inferno”, temos vocais sussurrados e a voz profetisa de Céu que aparecem dando toque essencial a uma das músicas mais bem produzidas e significativas do disco. As guitarras são contidas e explodem no clímax. A percussão é um detalhe que dá alma e a Nação soube utilizá-la nesta música. Daí segue uma música que quebra um pouco as influências do rock, “Nascedouro”. Samba, metais, violão e ritmos cubanos. Caminhos outros seguidos funcionam. E são misturas e arranjos modernos que fariam inveja ao Radiohead. “Onde tenho que ir” possui cítara, batida quase eletrônica e rock em suas entranhas. “Assustado”, uma pegada genial no baixo, percussão e guitarras wah-wah soando perfeitamente numa melodia tribal, próximo do dub, do reggae, e por final um refrão que tem descendências da guitarra de Hendrix, palmas e tambores. Toga Ogan e Jorge du Peixe fazem uma de suas melhores canções/letras, certamente, que lembram muito Chico Science.

Chegamos a “Fome de tudo”, faixa mais pesada do disco. Visceral, moderna, transcendental. Vozes modificadas, guitarras em peso máximo gritam eletronicamente, tambores e bateria de Pupillo em atuação condizente com tudo. O que a fome faz? O que já fez? “A fome de tudo universal com o tempo inteiro ao seu favor”. “A fome tem uma saúde de ferro” – exclama Jorge du Peixe. São temas difíceis de se encontrar por aí, mas dizem quase tudo sobre um sub-mundo tratado pela Nação Zumbi. “Toda surdez será castigada” aparece como uma cantiga melancólica. Aqui há pessimismo, em melodia triste, du Peixe e Junio Barreto cantam. A letra remete a tempos de guerra onde “já soltaram as bombas em alto volume/ mesmo assim nem fizeram sombra/ na zuada o silêncio gira/ vagueia e acaba matando a manhã.” Efeitos de lap-top ajudam a dar clima espacial, numa melodia trabalhada por tambores e bateria.

Mais do mesmo em “A culpa” e “Originais do sonho”, com a diferença de programações eletrônicas, rudimentos carregados de Pupillo na bateria, ficção científica e o experimentalismo nas letras. Fazem lembrar o tempo em que Chico cantava em que uma sobremesa lhe esperava em casa. E se todos dias nascem deuses, como diz na letra da última canção, “No olimpo”, a banda foi iluminada por um na realização desta. Uma ciranda embalada por esperança e uma alegria única. Dotada de harmonia, frenesi e arranjo memorável de cordas. Dançante e ao mesmo destruidora. Retrata os novos tempos com leveza e sabedoria. O som e espírito da Nação Zumbi renascem sempre que escutamos uma obra como essa.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

Thurston Moore - Trees Outside The Academy













Thurston Morre

Disco: Trees Outside The Academy

Ano: 2007

Ecstatic Peace

12 Faixas



As guitarras bases distorcidas dão lugar a violinos e violões. A bateria/percussão fica na pegadinha Sonic Youth. Solos merecem ainda a velha guitarra elétrica. Mas agora as melodias têm mais prioridade, a barulheira fica de lado, em parte. Vocais susurrados, como só Thurston Moore sabe fazer. Junte, além disso, letras e canções de tom noise/folk a participações especiais que fizeram a diferença no disco. Essa mistura levou-nos à essência de “Trees Outside The Academy”, disco solo de Moore.

Depois de doze anos sem lançar discos (solos, obviamente), o cantor, guitarrista e compositor resolveu se aventurar por aquilo que não havia explorado: o acústico. É curioso, no mínimo, ver Thurston “trocar” seu instrumento elétrico por um violão. Mas, por incrível que pareça, ele faz algo parecido com o instrumento acústico, explorando solos e lições vindas desde o começo de carreira. Aí vem a pergunta que todos fazem: parece com Sonic Youth? – Claro! Afinal, estamos falando de um dos mentores da banda, e seu jeito de compor não se modificará por completo. O que muda basicamente aqui são os arranjos, dando-nos canções mais “pop” e/ou mais fáceis de ser compreendidas. Não há o som seco e sujo do SY. Entretanto, alguns acordes do violão de Moore nos fazem lembrar sua banda, além da bateria e percussão comandada por Steve Shelly.

Para compor o disco, Thurston uniu-se ao guitarrista do Dinosaur Jr, J. Mascis, que emprestou seu estúdio caseiro e acabou fazendo algumas guitarras no CD. O violino que surge com freqüência é de Sâmara Lubelski. Foi um achado, um simples toque faz muita diferença. E, se a moda agora é colocar violino em toda banda de canto de esquina, Moore já arrumou a sua violinista. Foi um instrumento que se adaptou ao seu trabalho de maneira peculiar, fazendo bases lentas, harmoniosas, sem exageros ou floreados. A dramaticidade do instrumento é realizada aos poucos, ao movimento de cada música percebe-se o quão preciosos são seus graves e agudos.

Há de se notar que vilões corda de aço ganham expressão nas mãos dos músicos. Não temos ritmos muito rápidos, tem-se mais prioridade em sentimentos que vão desde um solo de guitarra elétrica cortando tudo, violinos ou a voz de Thurston nos repetindo algo. “Frozen Gtr” e “The shape is in a trance” refletem bem isso, dando início ao disco. São canções simples, mas bem trabalhadas, lembrando algo de Sonic Youth, pela bateria. Entretanto, vemos brilhar a terceira faixa, “Honest James”, certamente a mais comovente do disco, por sua letra, melodia, vocais e violões. Chega a ser quase instrumental (mais da metade da música, na verdade) e nos coloca no céu literalmente por sua delicadeza. Christina Carter, vocalista do Charalambides, e Moore cantam juntos nessa faixa, fazendo todo o diferencial do disco.

Adentramos o “Trees Outside The Academy” e vemos mais progressões de violões e solos num clima sempre tenso, como lá pelo meio de “Silver>Blue”. Uma característica das guitarras são sempre a busca pelo além. Surpreende-nos, muitas vezes. Ruídos também se misturam às músicas, como não poderia faltar. Temos canções acústicas maduras que Thurston Moore foi capaz de criar, em “Fri/Emd” ou “Never Day”, folk misturado a roupagens modernas, entretanto, a primeira tende ao pop. Guitarras sujas pouco aparecem, mas formam parte do disco. “Wonderful Witches”, primeiro single do disco, explica isso, buscando influências grunge e do próprio Sonic Youth. Há também “Off Work” que mescla percussão, ao som esclarecedor do violino e guitarras sujas, criando uma sonoridade única. Divide-se em duas, sendo instrumental, chegando sempre ao obscuro e caótico, como um adolescente brincando com sua guitarra. Daqui a pouco vem o acústico e a resolução é simples: a história tem seu final doce. Moore gosta também de pianos, basta ouvir a “American Coffin”, que surge ao ruído e logo aparece, como num sonho, longe e cheia de ecos.

Quando se trata de criatividade, não há discussões sobre as músicas de Moore, sempre atento ao inatingível. O rei do noise rock dedica ainda nos seus discos faixas com 36 segundos de apenas ruídos. Porém, formula canções de seis minutos instrumentais cheias de clímax e ímpeto, nervosas como no caso de “Trees Outside The Academy”, que dá nome ao disco. Suas músicas são eternas experiências que arrancam das veias certa revolta e liberdade. Thurston é corajoso. Espere tudo dele, inclusive a última “música”, que nos remete ao passado do músico com 13 anos apenas. Já fazia travessuras quando nem tinha instrumentos em mãos. São lembranças que consistem num apego do próprio compositor. Para nós não significa muita coisa.


Se Thurston atinge os limites anti-pop?! Nem tanto. São coisas que se perdem com o tempo. Mas o tempo é algo interessante, é relativo. As canções que observamos aqui revelam o íntimo e não há alvos a serem atingidos diretamente. Música para sentir.