segunda-feira, 20 de agosto de 2007


The Smashing Pumpkins
Disco: Zeitgeist
Ano: 2007
Reprise Records
12 faixas


Em 2007 o Smashing Pumpkins volta à ativa, depois de sete anos parado, com o novo trabalho intitulado “Zeigtgeist”. Um fato curioso, que gerou indignação de fãs, foi a banda não ter a mesma formação (James Iha, D’arcy ou Auf der Maur) de quando acabou em 2000. Mas a idéia de retomar a banda é antiga, segundo Billy Corgan, líder da banda. Daí surgem perguntas: será que o novo Smashing Pumpkins é capaz de carregar nas costas todo o peso de uma das maiores bandas de rock dos anos 90?
Será que esta não é só mais uma aventura de Corgan e Jimmy Chamberlin, como foi o Zwan? Enfim, qual será a nova identidade dos Pumpkins?

Digamos que a primeira impressão é boa. Doomsday Clock começa forte, com ótima bateria e guitarras. E Corgan já dá o seu primeiro recado: “Is everyone afraid?/ Is everyone ashamed?” (“Todos estão com medo?/ Todos estão envergonhados?”). Na verdade, a mensagem é direta aos norte-americanos. E, se isso é pouco, como se não bastasse a capa de “Zeigtgeist” que afunda a estátua da liberdade, a letra de Doomsday Clock traz toda a expressão de fúria imersa na garganta de muitos. Billy critica a falta de liberdade, e a política/cultura dos EUA, fazendo menção a algo apocalíptico que bate em seu coração.Este sofre, sendo ele um cidadão norte-americano.

Engana-se quem esperava algo sem sal. Em 7 Shades of Black, o estilo Pumpkins continua vivo. E esta dá continuidade à primeira música: “I’m digging my own hell” (“Estou cavando meu próprio inferno”). Guitarras soam nervosas, com direito a solos de Billy. Seguindo, temos Bleeding the Orchid, com ótima melodia e letra poética. Lembra o estilo mais sombrio vivido pela banda. Até aí, os novos integrantes, Jeff Schroeder (guitarras), Ginger Reyes (baixo e voz) e Lisa Harriton (teclado e voz), cumprem bem suas partes. Nem parece uma outra banda. Guitarras de James Iha, nunca mais. Porém, a essência do Smashing Pumpkins continua viva.



That’s the way (My love is) quebra um pouco o clima. Com letra mais romântica, chega a parecer com o Zwan. Os profundos teclados e a voz de Billy salvam esta música, que não é ruim, mas não chega perto da obra do antigo SP. É aqui que D’arcy e James fazem falta, por mais que tenha backing-vocal bonitinho e tudo mais. O single Tarantula é uma das músicas mais pesadas do disco. Nota-se a grande influência de heavy-metal que Billy tanto cita, letra típica da banda, cheia de antíteses. Um bom rock que melhora lá pelo meio com uma quebrada de ritmo, enquanto guitarras falam. A sexta faixa, Starz, lembra as primeiras músicas da banda. Sem muitas inovações, mas com uma bateria incandescente de Chamberlin.

Entra United States, com seus nove minutos e cinqüenta e três minutos. Um desabafo de Corgan, irritado com tudo que venha de seu país. Guitarras distorcidas melhoram do meio para o final, ouvimos um grito de revolução e gritinhos, acabamos por conhecer o verdadeiro espírito do (novo?) Smashing Pumpkins. Depois disso, temos uma banda perdida entre estilos, que não assimila uma linha contínua no disco. Começando por Neverlost, que se torna mais introspectiva e lembra mais a carreira solo de Billy. Bring the light não é SP, a não ser pela voz de Corgan. Aqui podemos dizer realmente que temos outra banda. O mesmo acontece com Come On (Let's Go), que está mais para Zwan, afastando-se da comparação com o velho Smashing.



For God and Country surge enigmática com tendências eletrônicas. Experimentalismo que deu certo. Um baixo marcante e guitarras fazem o pano de fundo. “For God and country, I'll fight/ For God and country, I'll die/ For God and country, my soul is so alive”: são referências ao mundo que vive em guerra e esquece de valores humanos. Pomp and Circumstances encerra o disco, com mais alusões à guerra: “War, sunshine and Grace”... como numa canção de ninar, vocais em coro, teclados e guitarra fazem um ótimo contexto para o fim.

E assim segue Billy Corgan (e sua banda), com muitas idéias, mas sem definições exatas do que quer. Talvez queira pouco, talvez queira muito, talvez queria continuar apenas tocando no tão sonhado Smashing Pumpkins.

sexta-feira, 10 de agosto de 2007

A cultura dos caranguejos com cérebro


Chico Science e Nação Zumbi
Disco:Afrociberdelia
Ano: 1996
Chaos/Sony Music
23 faixas

Afrociberdelia.Um nome estranho, mas que tem seu significado quando se trata de ficção científica, psicodelismo, cultura afro e cibernética ao som de Chico Science e Nação Zumbi. O MagueBeat, movimento que teve sua origem em Pernambuco, é embalado e reverenciado por parte de um disco que propõe arte para todos. Com uma diversidade imensa de ritmos, cores e protestos, Chico Science mostrava-nos uma mistura de viagem no tempo, lirismo, poesia e cultura regional. Tudo isso leva-nos a uma complexa compreensão da música proposta. A linguagem e os ritmos, sejam eles regionais ou internacionais, formam uma figuração única rica em sentidos e significados. Por outro lado, por mais que não tenhamos o mínimo de conhecimento sobre o que nos fala/canta Chico Science (o que é bem difícil), sua música tem o poder de nos levar a uma dança frenética. Percebemos o quão forte é seu grito de esperança na arte de fazer um som verdadeiro, principalmente para os jovens que habitam esse mundo cruel e perdido entre valores. Afrociberdelia, então, vem a ser, segundo o texto de Bráulio Tavares no encarte do CD, uma expressão do ano de 2102, junção de África+Cibernética+Psicodelismo, com o seguinte significado: “A arte de cartografar a Memória Prima Genética (o que no século XX era chamado “o inconsciente coletivo”) através de estímulos eletroquímicos, automatismo verbais e intensa movimentação corporal ao som de música binária”. Vamos ao disco...

“Eu vim com a Nação Zumbi, ao seu ouvido falar/ quero ver a poeira subir/ e muita fumaça no ar/cheguei com o meu universo/ e aterriso no seu pensamento/ trago as luzes dos postes nos olhos/ rios e pontes no coração/ Pernambuco em baixo dos pés/ e minha mente na imensidão”. Assim começa Chico Science a cantar na primeira faixa (Mateus Enter ou Intro). De cara temos o som da Nação, com guitarra pesada e percussão, na letra Chico diz o propósito de vinda ao nosso ouvido. E tem muito a nos falar ainda. Começa O Cidadão do Mundo, uma das músicas mais fortes do disco. Seu groove de baixo é perfeito, o violão nos traz ao regionalismo e a bateria meio que eletrônica, diferente das outras que compõem o disco. Há ainda samples de músicas como “Bat Macumba”, de Gil e Caetano. O refrão é marca registrada da banda, com fortes tambores de maracatu: “Eu pulei e corri no coice macio/ só queria matar a fome/ no canavial na beira do rio”. Mais à frente, Chico faz referências a Recife e ao movimento MangueBeat nos versos: “Daruê Malungo, Nação Zumbi/ é o zum zum zum da capital/ só tem caranguejo esperto/ saindo desse manguezal”, ou seja, caranguejos com cérebro saindo dos mangues de Recife, nada mais específico para definir tal movimento. Para finalizar, ainda na mesma faixa, um rap que sintetiza bem a realidade brasileira. Um pivete vindo do interior passa sufoco por não conhecer as gírias da cidade grande. Seria o cidadão do mundo o pivete, ou esse se refere aos homens da cidade? Parte da interpretação de cada um.



A terceira faixa, Etnia, explora a levada de percussão, guitarra e baixo muito bem formulados e uma bateria típica da Nação Zumbi. Tambores, solos hendrixanos e uma exaltação e incentivo à cultura popular na letra de Etnia. A abordagem socio-política de Chico tende para uma unificação da sociedade brasileira (ou mundial?!), não importando a diferença étnica/cultural de cada pessoa. Ainda aparecem expressões que definem a miscigenação proposta na música: “maracatu psicodélico”, “Berimbau eletrônico”... Chegamos então a outra dimensão com Quilombo Groove, uma das muitas instrumentais que estão presentes no disco. Ritmos africanos no começo e a guitarra de Lucio Maia mais rockeira do que nunca, vem um som dali meio psicodélico, tambores com eco que permanecem até o fim. Entra Macô com uma levada funk na guitarra “wah wah”, tambores explodem, acompanhados da voz de Chico. Nesta há participação de Gilberto Gil e Marcelo D2. Uma letra que pode parecer estranha, quando se tem um refrão “Macô/ macô/ macô...”, mas é quase um hino da banda. São essas coisas que não se explicam, se sentem. O regional está tão presente, porém, nos sentimos em casa.

Logo após vem Um passeio no Mundo Livre. Com uma levada cheia de swing da guitarra, ótimo arranjo de metais e fortíssima bateria. O melhor é como a música se transforma lá pelo final. A letra de Chico expõe um mundo sem sociedade, um lugar onde se possa ir e vir sem ser incomodado, um mundo sem preconceitos sonhado e idealizado. Uma boa música e letra que mostra a consciência de Science rondando os mínimos cantos do mundo (como o bairro Peixinhos, onde muitos da banda cresceram) até o globo como um todo. Chegamos a sétima faixa, Samba do Lado, que brinca com a música tipicamente brasileira. Chico pergunta: “E você samba de que lado/ de que lado você samba?”. O efeito de guitarra “wah wah” é muito bem composto aqui. Lucio Maia usa o volume como um segredo nessa música e, no refrão, utiliza uma escala que permuta tons. Que venha Maracatu Atômico agora! A música de Jorge Mautner e Nelson Jacobina é mística, simples (também complexa) e poética. Anteriormente gravada por Gil em 73, agora se torna um dos maiores sucessos de Chico Science e Nação Zumbi. Ninguém duvida que uma letra tão cativante, com um ritmo tão zen, mas ao mesmo tempo dançante, faria o som da Nação se eternizar. O refrão é daqueles que poucos sabem o que significa, mas todos cantam (Ana ama eu, na versão original, sofre adaptações de Chico). E nisso, Maracatu Atômico outrora fora e é mais um hino.



O Encontro de Isaac Asimov com Santos Dumont migra para um espaço distante, ao som de um baixo hipnotizador e efeitos de computador, Chico manda sua mensagem quase metafísica, complicada de se entender. Algo como se o pensamento fosse mais forte que as leis da física. A música seguinte é Corpo de lama. Difícil de ser analisada, meio fantasmagórica, sombria como “aquele grupo de caranguejos ouvindo a música dos trovões”. Como se fosse um auto-reconhecimento, o eu lírico procura-se entre imagens da natureza, pensamentos e outras pessoas. No fim, Science diz: “deixar que os fatos sejam fatos naturalmente, sem que sejam forjados para acontecer”. Entramos, então, no mundo mágico de Sobremesa, onde borboletas se equilibram no espaço e uma cadeira flutua num espiral. A vida louca da cidade é exposta, enquanto a personagem acaba por lembrar que uma sobremesa lhe espera em casa. É uma música curiosa que mistura o inglês e português. A guitarra viaja como numa música ambiente, tambores e sopros complementam.

Manguetown é outro destaque do Afrociberdelia. “Andando por entre becos/ andando em coletivos/ ninguém foge ao cheiro sujo da lama da Manguetown...” A cidade do mangue, a capital Recife, fica mais evidente nas letras de Chico. Este também relata, em uma antiga entrevista, sua preocupação com o mangue e com a população ribeirinha. A letra “suja” de Manguetown refere-se justamente à poluição do mangue: “fui no mangue catar lixo,/ pegar caranguejo,/ conversar com urubu”. Assim termina a música e, mais uma vez, a cozinha (baixo e bateria) e a guitarra estão no ponto. Passemos agora para uma parte mais “pesada” do disco. Percebe-se pela guitarra distorcida de Lucio e o forte ritmo de tambores. Um Satélite na Cabeça é um grito de rebeldia. “A TV não tem olhos para ver ... conquistando seu próprio espaço/ é onde você pode estar agora”. É uma fuga do mundo, através de suas idéias, pensamentos. Depois daí, um Baião Ambiental Dub para relaxar. Impressionante como os ritmos se casam bem. Um baião viajante do espaço cósmico, destaque na parte instrumental do CD. Depois seguem duas músicas de guitarras super pesadas, casando o heavy-metal e os ritmos nordestinos. A primeira, Sangue de Bairro, fala de Lampião, limoeiro, catingueira e lamparina, nada mais nordestino do que isto. Esta ainda é trilha do filme “Baile Perfumado”, sobre Lampião. A segunda, Enquanto o Mundo Explode, fala de globalização e consumismo de um modo bem específico: “Um curupira já tem seu tênis importado”. Forró, baião e ritmos de Umbanda são apresentados nestas últimas faixas. Interlude Zumbi lembra bem o som de outra banda da mesma região, o Cordel do Fogo Encantado. Aparece o som do berimbau, ritmos africanos e...



Surge um violão ritmado, numa melodia mística, o som do tambor, que não muda de compasso, e todo lirismo ao som da voz de Chico está presente. Criança de Domingo traz consigo uma magia única. Faz-nos voltar aos tempos de criança. Amor de Muito é igualmente viajante. Um ritmo cubano no começo e uma letra que fala de esperança no amor. Conta a história de um casal que se guia pelo mar. Em Samidarish, de Lucio Maia, nada de tambores. Experimentações com guitarra e baixo. Por fim, teclados e um poema muito bem interpretado por Chico Science, que pergunta: “Quem mandou você falar de mim?”. E tudo se encerra.

– Não! Temos ainda três remixes de Maracatu Atômico, para provar a influência eletrônica da Nação. Reggae, outra trip hop e atomic version. Mesmo sendo de músicas repetidas, os remixes são criativos, dançantes e caem bem numa rave. E é isto, saímos de maracatu para acabar numa festa eletrônica.

É triste dizer que depois de Afrociberdelia, segundo disco da banda, Chico Science nos deixou num terrível acidente de carro, faz dez anos. Mas suas músicas continuam vivas e estão aí para serem escutadas e refletidas.